Thursday, August 23, 2007

Ahhhh.... como a tolerância me tenta. Cá fica ela, me sussurando suas atenuações e seduções. Me fala das suas vantagens como quem se delicia com o doce de um chocolate feito de vida. SAFADA! É como diva sexual. Os lábios vermelhos, silhueta esguia, olhar de canto, carne libidinosa, convida qualquer intelectual a abandonar suas razões e conclusões para se entregar indiscaradamente aos seus torneios. Quando a vejo, toda a lógica parece perder o sentido, não há justiça no mundo que se justifique perante seus encantos. Quando brilha em sua transparente presença, entoando, em forma de pensamentos, o canto das condolescências, faz qualquer sede pelo direito parecer insensata, qualquer tentativa de conserto uma aberração, toda ânsia pela ordem uma lição do que não se faz, toda batalha pela paz uma esquisitice por essência.

E aí vejo o mundo reclamando pela justiça de deus, pedindo a todo o senhor que uma centelha do que é certo seja derramado em nossas cretinices, mas não percebem estes de que a justiça de deus é o oposto do que procuram. Ela só sabe que não ir atrás de pagar os erros, mas sim, liberar de sentenças os apodrecidos é a maior justiça do mundo, recompensando ao tolerante toda, e duas vezes mais, florescências que recebe o tolerado.

Wednesday, August 08, 2007

E é só isso que ele deseja, por ser oque a gente mais precisa

Poucas coisas me instigam

aquelas que prometem a vida eterna
deixam-me cansado

as que andam a favor de todas as mãos,
com a bandeira do sucesso
só me antecipam a frustração

algumas cumprem com o dinheiro e
barganham toda a liberdade que há pra se vender
mas há somente para se ver nelas
o enigma decifrável de vazio

as que juntam tudo
acrescentam paz de espírito
mais dez temperos
deixam tudo brilhoso
na companhia de suas máscaras
carentes dos ouvidos alheios

não é carência que preciso

nem meu coração quer através de todas elas!

pois tudo que ele tenta
é me fazer entender
que não há coisa alguma
que possa querer
a não ser viver pra si mesmo
e
por mais que tudo se revolte
o único anseio para qual ele existe
que o faz apertar-se
e sangrar

é que a atenção retorne
devolvendo ao coração
a capacidade de permitir-se
ser
oque já é
sempre foi
a única coisa que para ele importa:

sua própria existência

Sunday, August 05, 2007

Quando se abre o coração

Quando

a transparência

se infiltra por tudo

a noite opaca não sente

mais falta das estrelas

a água gelada

não precisa ferver para o chá

a futilidade e o medo bebem

da graça que não separa

feios e glamurosos

nem se mostra nas conquistas

ou some com as derrotas

mas abraça tudo

que adentra o coração

que pode ser até mais

do que tudo

que cabe no

mundo

Friday, July 20, 2007

Espelho espelho meu, tem alguém mais que vê oque é meu?

Quando percebi, já estava naquela sala escura, a observar atenciosamente oque acontecia no lugar onde nada podia ser dito sobre materialidades paupáveis e comuns.

Via, com a pouca luz, alguns tantos agachados no chão, de olhares distantes e abraçados nos próprios joelhos, aos sussurros, mas muito mais, aos suspiros. As sussurações, entendia aquele que no momento os olhasse, que vinham do resguardo que os anunciadores das idéias fracas e demasiadamente sensatas deveriam ter, e, por não saber entender suas próprias cabeças, estes arriscavam, e sabiam disto, a categoria; já os suspiros, compreendia o visitante, que aconteciam por serem as marcas das idéias que morrem pela falta de proximidade com a abstração, sintoma, naquele lugar, das incapacidades.

Ao levantar um pouco mais olhos, procurando coisas além das que estavam no chão, deparaei-me com um outro tipo de gente, coisa, personificação, sabe-se lá. De andar ereto, como modelo na passarela, mas à horizontal, com os pés na parede negra de aparente inexistência, falavam sem mais receios, pronunciando com liberdade oque os que estavam no chão também queriam poder dizer.

Alguns pouquíssimos olhos desses seres miúdos e obstinados cá de baixo alcançavam ver os que andavam virados de cabeça para baixo, onde quase a ausência de luz possibilitava o encontro da visão com os cabelos (e às vezes as testas) daqueles que andavam virados. Nada podia-se ver pra além disto, talvez eles nem tivessem corpos ou pés, mas se permitiam os gritos e incitavam a cobiça dos mais próximos ao chão.

Os que suspiravam, às vezes aos sussurros, a morte das idéias, de tempos em tempos abandonavam suas próprias vidas para só olhar os outros e desejarem ser oque não eram.

Mas ao se esquecer das alturas e das possíveis hierarquias, voltava-se a atenção para algumas correntes que atravessavam o pântano de cor verde, do limo sujo, que na ocasião, de tão negra que estava a sala, parecia clarificar o ambiente.

A sensação, entretanto, era da falta de limites. Da ruptura com o branco das chuvas e o encontro com o enlamado musgo da sensação da Terra.
Azul, o escuro, também podia-se ver atravessando o meio do caminho entre o chão e o teto, trazendo a sensação de sopro de brisa para esta parte que pintava o nosso lugar com a cor do céu anoitecido.

No pântano alguns rastejos podia-se ver, nada se ouvia. Eram, na verdade, os que andavam com o corpo dentro da terra e com a cabeça descoberta, repletos da cor escura da lama, mesmo assim, colorindo muito mais aquele ambiente de atmosfera ambiciosa mas completa, do que qualquer outro que ali gritasse, falasse ou que quisesse a fala.

O SILÊNCIO! SEM SUGERIR CATEGORIAS E DIFERENCIAÇÕES, MAS CHEIO DE VALOR.

Porém, pouquissimamente mais tarde, o longínquo barulho de um dos meus pensamentos costumeiros fez tudo congelar aquém do próximo instante, que só existiria se subordinado a ausência de ruídos. Aquela mágica toda, junto com suas imagens e representações, como fumaça ao vento, foi se diluindo ao som da companhia das minhas falações internas, e morriam lentamente pela música daqueles que, ao invés de olhar o mundo e as coisas, olha somente oque se passa dentro de suas cabeças.

Provavelmente sejam os infortúnios que as ideías cartesianas causam em nossas vidas, mas fato é que passei, à partir deste instante, a duvidar do que acabara de ver. Os sons das idéias, sim, conseguia ouvir em alto e bom tom, com credibilidade. Isso, porém, só fez levar o turvo já impreciso daquela cena, suavemente, à liquefenta transparência vítrea de um corrego limpo e corrente, que conforme passava, diluia ainda mais o silêncio das imagens para o murmúrio constante da vista de um riacho.

Tal lugar, repleto das idiossincrasias mas também de similaridas, cheio das ansiedades mas completo em si mesmo, ouvi falar depois, quando estive nas proximidades de um ninho de passarinho, que se tratava do reflexo que o rio fazia da pessoa que queria ver a própria beleza em seus espelhos d´água, mas o rio, perspicaz, só mostrava-lhe oque mais poderia, quem tentava ali se admirar, ter dificuldades em ver.

Mostrou-me minha rejeição pela imundície da alma que eu, mais do que ninguém, queria poder admirar, na sapiência de que Deus nada filtra mas tudo alcança.

Sunday, July 15, 2007

Sem título

sobre um email que dizia estar o Ponto G feminino na raiz dos ouvidos, junto a maciez e o afago dos sussuros e respiros de amor de seu amado amante que ali os declamam.

"Requisitam, as mulheres, mais palavras de amor. Céus! como dói para um pequeno viajante desse mundo esse requerimento para sua sina. Qual é o infortúnio de alguém que se sente requisitado pelas expressões que deveriam abranger a magnitude de deus? sussura-las, ainda, inebriantemente a ouvidos necessitados, sedentos por um toque de Midas em sua íntima alma? pedintes por significados de vida, mendigos pela grandeza. Ó egoísmo sórdido e canalha! Se fazem roubadas da significância primorosa da vida, colocam em nossas costas a culpa pelos seus desprezos e despem-se para mostrar-nos toda a nudez de sua insatisfação conosco, homens, por comportarmo-nos como rio seco de água enquanto deveríamos ser, igualmente as suas imaginações, servidores da fonte infinita de mel.
Querem colocar em meus ombros o fardo de ser um parafraseador do amor. De onde tirarei forças para descreve-lo se nem sei da onde tiro forças para conhece-lo? O amor mal se demonstra às consciências e querem, todas elas, em louvor e cantico, que verbalizemos oque não conseguem propiciar que sintamos.
Me sobra amar em silêncio, da maneira que conheço, nesse mundo de mulheres loucas, que acreditam que relacionamentos são fonte de amor, enquanto vejo que têm sido só de doenças."

Henri S. Evrard

Monday, June 25, 2007

Mal-humor

Sofro de mal-humor nas segundas-feiras. Ela me toma o espírito como se tivesse vida própria, como se soubesse a hora de atacar, a maneira de me persuadir, de direcionar minha atenção para as coisas que menos me agradam.
Segundas-feiras possuem um espírito maligno, pálido, que se mostra nas névoas que andam pelas ruas durante suas manhãs. São o sopro de um dragão sombrio, camuflado, se esgueirando pelos princípios da vida afim de tomar os belos suspiros dos apaixonados e inflar os olhares odiosos dos ingratos. Pelas segundas, sou ingrato. Mordo-me os dentes e não temo o rancor, sou negro-noite, sem estrelas, emito o mesmo uivo soturno dos coiotes sedentos pela carne sangrenta dos que acham que dormem tranquilamente. Segundas-feiras são perigosas para os que procuram, na vida, só o canto de regozijo com os passarinhos, para os que acreditam em um grande amor como um berço de carinho para os destratos da alma humana, para os que passam longe dos becos de suas psiquês em busca do colorido das luzes artificializadas. Segundas-feiras, meus futuros caros fúnebres corpos, são para os que apreciam, e conseguem ter, a coloração cinza-escuro escarlate em seu matiz d´alma, em seus espelhos mortais dos gestos de vida. Para os outros, os meros restantes, esperem o dia seguinte, pois hoje é para os que não temem a desesperança e sentem na perdição o contato com o sublime da vida, já que não há quem possa afirmar que o altar supremo da existência seja ele mais claro do que essas segundas, tão íntimas, insubstituíveis e plenas do obscuro lado sem luz.

Sunday, June 17, 2007

Teoria da Compensação

Faça-se aqui uma idéia.

Idéia de que há em nossas vidas só esse movimento linear e preciso de procurar o centro. Linear, para poder simplificar todas as direções em esquerda e a direita; e preciso, porque se trata de um só ponto a chegar.

Se algum corpo pende à esquerda, sente o seu desequilíbrio, seu erro em relação ao tal centro, e para isso ansia o outro sentido. Mas ao contrário dos pêndulos físicos, os pêndulos psicológicos não precisam serem forçados na outra direção se quiserem acertar "serem" no meio.

Mirando os alvos mais certos, como o da lei da natureza, que foge ao nosso princípio racional, e o do tempo, que se neutraliza por ser tão intenso, erramo-los facilmente se os fitamos com os olhos que estão nos rostos das lógicas da vingança, mesmo que não sejam vingativas, mas compensatórias, acabando por nos deixar desabilitados de acertar tão simples e inexpugnáveis conceitos: o tempo que não passa, mas está temporalmente sempre presente em um mesmo momento; e as leis naturais que são tão complexas e fogem tanto ao nosso sentido de justiça, que paira na natureza uma grande conspiração para a vida, independente de valores.
E é obedecendo a neutralidade da vida e a imobilidade temporal que os acontecimentos que tendem à esquerda ou direita não necessitam serem revistos em uma próxima atitude, mas sim, desistidos, abandonados de qualquer tentativa de conserto. Aos erros passados há a falta de justiça e o não-tempo da natureza como solução. Tais características do mundo, além de resolverem os acontecimentos "lateralizados", também resolvem a nossa necessidade de centramento. Naturalmente somos levados ao centro, e não há necessidade de esforço algum.

A compensação do movimento é justamente o que tira, mais uma vez, a sua consciência do tão querido estado central.

Os movimentos não devem ser compensados!

O passado, sendo privilégio único da memória, deve acontecer psiquicamente de maneira calma, sem relevância maior. Se há reviradas e contra-sensos por motivos anteriores, então está certo de que o velho sobrevive em seu universo mental de maneira a querer compensar estes acontecimentos anteriores, e mais uma vez, distancia-te do centro, e se mais uma vez distancia-te do centro, mais uma vez sentirá a necessidade de compensação. ABANDONE-SE, ENTREGUE-SE, é disto que trata a Teoria da Compensação.
Se não há mais passado ativo em nossas maneiras e atitudes, o centro se apresenta.

As compensações são ilusórias, assim como a permanência do passado é recurso da imaginação sobre situações não mais existentes.

Queria eu conseguir não lembrar efusivamente, ter a memória só como auxílio e não como a mestra das decisões.

Friday, June 15, 2007

Pessoas de todas as nações, conversai-vos.

Qual vida leva a fala constante, as idéias pulsando para fora do corpo, a tentativa de aproximação?

Não estamos aptos para uma vida comum, nunca estivemos, a comunicação é medíocre, pejorativa, muito tranquila. Sabe-se lá oque pensam e assim, sabe-se lá oque dizer. Continuar em um tratamento cordial incessante, tentando construir uma vida aparentemente agradável é atitude vasta, mas que em nada há de verdadeiro com suas afinadas particularidades. As particularidades já se perderam há muito. Mas é até natural que não se fale muita coisa, é certo que há de estar sempre implícito oque se deve pensar, e claro, retira-se assim toda a necessidade da troca de informações? Podemos tê-las pelo google, afinal, ora bolas.

Assusta a incapacidade geral de manter um diálogo honesto, sem que a tendência disso seja a tentativa de persuasão e a ânsia da vitória retórica. Desse modo, quase que sou. mas não sou, adepto da idéia, que para evitar tais violências, deve-se sobrar para a brisa flutuante das questões pessoais no momento da fala, o esquecimento.

Não percamos tudo, pois há momentos que sente-se necessidade de comunicação e ela acontece! Acontece juntamente com o desagrado dos que ainda querem a verdade na expressão. Acontece como momentos estratégicos para a manutenção das aparências, como se a possibilidade quase que infinita do livre trânsito de informações entre uma pessoa e outra se resumisse em uma simples extenção de suas roupas e seus penteados. Assim, não posso mais!! O AGRADO NÃO PODE MAIS SE ESTENDER PARA O MUNDO DAS IDÉIAS, PARA O MUNDO DA COMUNICAÇÃO. O agrado aqui é, ao contrário de um senso apurado, a falta de toda a sensibilidade; é o prazer que se tem com a monotonia dos costumes e das regras; regras impostas, regras insensíveis, insensatas.
Chega de dar margem para a continuação das hiporisias: PROLETÁRIOS E BURGUESES DO MUNDO, COMUNICAI-VOS VERDADEIRAMENTE!!

A honestidade na fala deve ser a consequência da honestidade da mente. Se fala às escondidas, esgueirado pelas paredes, como uma aranha a andar pelos vãos escuros, é porque sua mente deve estar nas mesma condições sub-clarificadas, sub-honestas, sub-presente, sub-coerente.
E além de tudo ainda há, para os que não sabem oque pensar, ter medo dos que pensam e assim o dizem. Para os bobos, a expressão deve se dar de maneira generalizada e entediante, porque se há alguma profundidade, alguma idiossincrasia, alguma presença pessoal nos significados das palavras, a grande massa dos impessoais-pessoas que andam por aí, só terão o gelo e a estranheza para lhe servirem como anfitriões, e para receber o desconhecido, leia-se aqui "o mundo das idéias", se prontificará neles o receio da ignorância.

Thursday, May 03, 2007

Recém nascido você também

Todos contam com o efeito dos seus esforços como os que crêem na remuneração que podem ter do Paraíso, depois de pagar as contas de sua igreja.

Que merece um bebê ao nascer? Oque fez ele para ter o maior dom, a bênção da vida?

Apesar da pouca idade, já estou habituado a ver grandes recompensas de esforços nulos, e rasas consequências de suores transpirados nos mais pesados serviços.

Temos na vida oque das intenções da razão divina vêm, e não da lógica que antevemos nós.

Por isso, não há que negar o nosso também estado de recém-nascido, recebendo na Terra e da Terra só as coisas que Ela mais considera sensato nos prover. Assim como prove os x´s, o y, o útero, o oxigênio e o ambiente fértil para quem nos parece que nada fez para os merecer: os recém-nascidos que somos.

Tuesday, May 01, 2007

Aquecimento Global

Desertificações
Alagamentos
Furacões


e você preocupado com seu sorvete!

Friday, April 13, 2007

sexta-feira 13

ahh... molde que me corrói! Feliz aniversário é um peso que cai em cima de mim, um fardo que me fazem carregar!! Todo mundo quer, hoje, que eu seja feliz... poucos se dão conta de que, se estou triste, é para sê-lo também! Se entristeço, é porque o Henri, esse que todos querem ver brilhar no céu como uma estrela, é também raiz que adentra o chão.
Neste belo dia, que coincide com a contagem de 23 anos do meu nascimento, resolvem dizer, sem vergonha na cara, sem nenhuma tolerância, nada... que tenho de ser feliz: SEJA FELIZ, dizem eles, imperativos, sem dó, sem flexibilidade. SEJA FELIZ!! SEJA FELIZ!! - ... e se estou triste, oque faço??? hein?? oque faço??? Deixo de ser?
Querem que eu deixe de ser? é isso?

Thursday, April 05, 2007

Sobre uma donzela sem letra maiúscula (não imperativa)

Vamos lá, à música, então!
Se quisermos definir, então não abro margens a discordâncias! Aqui, o que menos se quer é barreiras para a comunhão, união. Falo abertamente sobre o que me é suposto, mas, se quiser discordar, por favor, não continue a leitura. Agora necessito que haja só consentimentos, uma vez que se o mundo fosse só essa concordância que agora peço que sejas, seria ele muito mais musical.

A música em nada discorda! É sempre toda aberta ao seu estado de “ser”. Quando acontece, se desvincula de qualquer pejorativo, de qualquer dúvida, e vem ao mundo em todo seu estado absoluto. Não questiona suas necessidades e suas vontades, só vem e é, e mesmo que falha, falha com toda a graça e assume-se, sem remorsos ou contradições, dizendo "sou exatamente isso mesmo, e nunca quis ser outra coisa".
Só nós que a sujamos! Podemos dizer que não está certo, que exagera na percussão, que a melodia podia ser um pouco mais substanciosa, que devia-se alterar pelo menos algumas transições de acordes... mas ela, quando toca, ahhhh, só concorda. Sai de braços abertos das caixas de som ou dos instrumentos dos músicos (quando há músicos tocando, é mais capaz de haver a discórdia, uma vez que muitos músicos pouco são musicais), e fica toda alegre, mesmo se for música triste, a vibrar no ar. Não há música que não quis ser a música que é!

E se necessitamos da música, é porque necessitamos da concordância, ressonância, lisura. As oposições deixemos aos carrancudos, aos que nunca serão (soarão) balanços sonoros no ar. Assim como os anjos, que aprenderam a voar enquanto ainda eram música, e só muito tempo depois criaram as asas e passaram a cuidar dos nossos sonos. Não esquecendo de que até mesmo o cuidado que os anjos desprendem aos sonhadores, veio dos costumes dos tais humanos de dormir aos balanços de uma canção, enquanto os anjos ainda eram canções.

É fácil deduzir, agora, que quando quiseres se sentir um pouco mais leve, balance... vibre.... concorde.... permita–se ser música... e quem sabe um dia crie asas, e angelifique os nossos ares com a sua presença.

Lembrar-vos-ei, agora, do que uma vez uma tribo indígena, dessas que tocam flautas mágicas e guerreiam com outras tribos através de cânticos e notas, deixou-me saber. Me falaram baixinho, sussurrado, calmamente, ao meio do silencio que só a imaginação, quando imagina o silêncio, pode trazer.
Dizia assim:
“era um ambiente escuro, quanto então fez-se luz, só a luz necessária, daquela que tempera a vista com um certo gosto de hortelã e canela, deixando tudo mais suave, adocicado. Luz que foi feita para fazer o piso brilhar, pois agora já há um piso também, piso liso, brilhoso na medida do gostoso, preto e branco, com a pesagem da medida certa entre verniz e opacidade. Chão que se estende até uma parede preta. Preta pela falta de luz, inexistente, aberta ao infinito, que abre o espaço ao invés de reduzi-lo.
Agora preste a atenção nos objetos da sala. Estão pendurados em sabe-se direito o que, mas ainda assim cercam um espaço bem definido, que te deixam em um salão sem os limites dos muros, mas com os limites da decoração, que por sinal, decoram o lugar da maneira que só o maior dos “bom gosto´s” é capaz. Tudo na harmonia mais desconcertante possível.

E, falando em harmonia, não esqueçamos do cheiro suave que começou a envolver a sala. Cheiro de fim de tarde de primavera ao lado de um limoeiro, cheiro de essência que faz a vida valer a pena, cheiro de abrir os pulmões em pés de flores, cheiro de te fazer respirar e saber que se vive bem.

Assim, o ambiente preparou-se para esperar seu último complemento: Música!

Neste lugar, ela aparece vindo de todos os lados: a que vem de baixo, te carrega no colo, te levantando levemente do chão; a que surge de trás, acolhe-te como um digno filho da terra, e te dá apoio para as costas, a de cima, cai como uma luz que se espalha, como um manto que te aquece, te preenche e te transborda; a da frente, te chama sutilmente, te permitindo usufruir, mas sempre com um gosto de fazer o rosto pender a frente, procurando mais do mesmo".

Música... Só acontece como florescência de um mundo onde as adversidades e as oposições fazem parte do passado, onde os sentidos verdadeiros puderam sair das resguardas da brutalidade, onde sua vida se tornou toda propícia para ser maculada de uma forma angelical e onde a necessidade deu espaço ao deleite.

Monday, March 05, 2007

A DESTRUIÇÃO

A vejo toda branca, em sensação algodinosa, nos pairando, parando, passando e flutuando entre nós, Natureza, submetendo todos a mercê de seu brando-branco-dissolvente assopro. Se Jesus, Buda, Osho foram alguns dos filhos, ela foi, dos 3, a única Mulher.
Mas como foi difícil percebe-La tão nítida quanto A posso reconhecer agora... no pequeno cheirador de cola atravessando entre os carros enquanto se rejubila por achar que conseguiu pegar uma carteira para si; na sensual mulher com seu vestido verde a andar na calçada como se a rua toda fosse sua; na esposa que gesticula as mãos e os lábios desesperadamente furiosos, e o seu marido a sua frente também gritando com a grosseria diabólica própria dos que procuram construir, ou manter construído, uma vida que tanto prezam para que lhes pertençam. Mas para quem já conheceu a suave-doce Donzela, ve a cena em uma lentidão que deixa tudo silencioso, coloca-a sobre um grande espaço vazio reconfortante, nos dando tempo suficiente para ver nitidamente as salivas masculinas adentrando o ar e atingindo espatifatosamente o rosto de quem ele considera sua mulher (a qual, por sua vez, considera-o seu, também), e no fundo de tudo, como uma risada gostosa de criança, ve a claridade doque já poderiam saber todos eles: de que nenhum objeto poderá se tornar mais deles do já são da delicada e doce algodo-branco Senhorita.

Ela, tão fluída e renovante como a água de um corrego alpino, suave brisa de preguiça benigna, berço para a paz dos que já se aperceberam de que não há porque querer que algo os pertença, e, ao contrário da desesperada mulher que cospe e grita, flutuam docemente no ar que só acomete quem já se permitiu respirar as desencarnações que vem do enorme véu da linda-pacífica-pairosa, sempre criança, Mulher.
Desencarnações que são, na essência, o seu próprio véu, o qual é, por sua vez, a própria Menina branca e suave. E se você acha que está recebendo algo que talvez possa ter passado remotamente por Ela, ou talvez de maneira indireta possa um dia vir ao seu encontro, na verdade está é recebendo-A na cara, no mais fundo do seu íntimo, simbioticamente, descaradamente, sem-vergonhamente. Ela está, mesmo agora, em um constante estupro aleluiático com a sua vida, e se quiser vê-La, se tiver a coragem para isso, não há nada mais que precise fazer além de abrir os olhos. Abra-os, e não haverá como não perceber de que Ela habita desde suas mais fantasiosas e rebuscadas aventuras, até as suas mais enmerdadas entranhas.

Inspiramos e expiramos-na a todo momento, fazendo a tão suave Menina entrar e sair interminavelmente de nossos corpos e almas, em um constante e incessante movimento sexual, sendo possuído pela Tal em indiscreta e indiscriminada transa, sendo penetrados e penetrando-A a todos os instantes, assim como acontece com os diamantes de imensurável estima, que você, um dia, por ter se esquecido de nosssa linda pequena, jurou que fossem durar para sempre.

Ela, assim como o seu véu e as desencarnações que vêm dele (lembrando de que esses três são um só, assim como Draculia poderia ser também morcegos e lobos), se comportam de maneira atmosférica se comparados a nossa respiração. Quando respiramos, temos a impressão que somos os possuidores, os controladores, o recipiente dominante de um conteúdo dominado. Submetemos o ar a nossa vontade, chegamos a engoli-lo, fazemos dele nosso servo, pelo menos em sensação superficial, mais ou menos assim como deve acontecer com um peixe que irá ser pescados por ter resolvido engolir uma isca presa a um anzol!, mas sensação só só permeia a existência de quem ainda não sabe das relações libidinosas que possui com a fina-delicada-alva Menina. Pois da respiração, não sobra nada que sermos nós os possuídos! Enquanto o respiramos, é o ar que nos tem, é nós que nele submersos ficamos, e sem percebermos, ele nos cerca, nos engloba, nos adentra, nos oxida, nos desmistifica. E quando o fazemos entrar, então, mais somos puxados para ele, comprovadamento pelo peito que, cheio de ar, estufa e abre-se ao encontro de mais ar, ar fora de nosso corpo, ar que te faz mergulhador atmosférico, assim como eu. E é exatamente da mesma forma que estamos absorvidos na Donzela, que nos deixa afogadamente banhados em seus véus, céus, desafixações, os quais são Ela própria em simulação de tecido e ventania.

Houve, porém, quem se fez convencer de que Ela, a Bela, tornara-se Fera, e adentrou o mundo do desespero. É simples perceber de que uma lagosta que possui no mar o seu inferno, só conseguirá viver infernalmente, pois nunca viverá nos mesmos compassos de um albatroz, e assim, um homem que acredita que a pacienciosa-clara Menina é o seu mal, passará a viver amaldiçoado, pois é dela que se faz o mundo em que ele está imerso, e o mundo que imerge nele a todo momento.
Essa límpida-escolhida Diva só pôde ter sido designada por Deus como protetora do nosso mundo e das nossas cabeças! Não me é compreensível como algo tão soberano e acolhedor pode ser destinado a algo que não seja suprir com descanso o espaço de perdição que há entre nossas mentes e a realidade! Pois é a certeza de que tudo passará pelas mãos da sutil e inevitável Senhorita, que me faz poder balançar descansadamente na cadeira, com as pernas um pouco erguidas ao ar, cantando odes e iii-haass, e lembrar de que todo o esforço na direção da construção é nada mais que o próximo pó esfarelento que esfarinhará nas mãos da querida-charmosa "Mademoiselle". E pós esfarelentos não poderão ser uma condição séria para que uma consciência (essa que existe em alguns, por aí) encontre a paz. Algo mais é necessário! Talvez exatamente o seu oposto: adentrar no riacho que corre empurrado pelos ares do sopro da Escolhida, e desembocar no oceano leve e fluído que só o caminho feito pelos ventos da límpida Designada pode nos levar, abandonando-se aos carinhos que ficam passíveis àqueles que se confortam quando sabem que estão sendo carregados em seu colo - o da Destruição.

Um grande beijo...

Henri

Friday, February 09, 2007

Sabias que

Das complexidades, não sou fã de nenhuma. Prefiro que oque é seja da maneira mais simples e desnudo(a), que se mostre todo(a), que se esteja mais à pele possivel, que abdique-me de ter que recorrer a minha imaginação, que seja por inteiro, que não me faça tentar descobrir ao que há atrás das suas cortinas, seja mesmo uma janela quebrada ou fosca, mas que seja por inteira e sem-vergonha ao ser revelada.


Mas há tempos que ser por inteiro, ser todo nu, ser simplesmente simples ficou a esperar seus calorosos cidadãos cheios de complexidades, complexos e complicações. Precisávamos encontrar uma maneira de nos dividir, de nos quebrar pela metade e em mais pedaços. Mas do que reclamo?? é óbvio de que não poderia ser o simples poderoso a ponto de se tornar um gosto diário em nossas bocas, de se aproximar um pouco mais das nossas casas/almas, de se tornar tão natural quanto o é o respirar, o viver, o entristecer, o morrer, a inter-intra-relação. O simples está na mesma prateleira dos objetos que são singelos, calmos, pacienciosos, não na das coisas que se aprendem com marteladas ou alfinetações. Sua quietude complascente o deixou no longínquo lugar do esquecimento, pois o simples não se força aos outros, assim como pode ser feito com as angustias, o assassinato e o que é indisciplinado. Através das insensibilidades poderíamos forçar algo, mas não o simples, o simples só através das sutilizas e sensibildades, e através das sensibilidades e sutilezas nada se força.

Assim, ele está ali, a mercê de quem o queira, pendurado em árvores que só dão frutas que não apodrecem, ficando a não se impor, pacienciosamente, sabendo que nunca irá se estragar, e consequentemente, nunca será o motivo de manchas negras da deterioração em terceiros, sextos ou cestos.

Em algumas noites, quando o dia se complicou como só os danos das complicações pode complicar, te imagino sem chinelo, a apalpar o gramado, sentindo o gosto do orvalho na pele, a aprender sobre as leituras das rugas nas cascas de árvores, a entender sobre as bênções que a chuva derrama para aqueles que resolvem prestar a atenção às coisas que descem do céu. Cerrar um pouco os olhos ao sentir o gosto do mel com o da nata, abrí-los bem ao colher a luminosidade que há mesmo nas coisas mais escuras; bagunçar todo o penteado ao coçar vagarosamente o coro cabeludo e logo após sentir a espinha toda se ouriçar, em um gesto de carícia vinda por parte da espinha mesmo ao restante do corpo; fazer barulho ao respirar fortemente o ar, como se o fosse um prato raro, desses pratos que só os beatificados pela vida tem a oportunidade de apreciar.

E se há um conforto em quem se depara a frente, e a olha com curiosidade, da grande e saudável vida, é o conforto de que tudo se trata de escolhas e que essas escolhas dão em árvores. E se todo o parágrafo anterior se trata de escolher alguns frutos dessas árvores (escolhas que talvez não sejam das mais fáceis, apesar de serem as mais simples), pode-se também escolher não colhe-las nesses grandes pés-de-tempo (dizia uma pequena fada que me visitava a noite em minha cama, que quando se planta tempo, colhe-se escolhas), e colher-se-á normalmente os mais fáceis de colher, as tão abundantes complicações.

O simples nunca foi o forte da colheita. Sempre mais simples foi pegar as complicações que caiam no chão (como as complicações já nascem apodrecidas, elas caem das árvores aos montões), do que o complicado ato de ter de buscar no alto dos pés a não decomposta simplicidade. E assim, para evitar o esforço da colheita que há nos pés-de-tempo, ficamos a comer os frutos putrefeitos que caiam no chão, um atrás do outro, durante anos, complicações atrás de complicações, até que houve um dia em que acordamos insensibilizados, endurecidos.

Ensurdecidos com todo os nossos sons, cegos com uma tela para servir como nossas vistas; tortos com a etiqueta, falsa etiqueta, cheia de vícios e lambuzas, intensificadora das diferenças (a mesma fada me dizia também de que as diferenças só interessam aos mais tolos, pois os meramente mais profundos procuram a unidade, somente a unidade); adormecidamente hipnotizados com a complexa secundidade, terceiridade, decimaridade das coisas!, que quase me fazem esquecer de que é a primeiridade, essa tão crua quanto o é nossa pré-vida, que é a significância primeira das coisas, a nossa rosa de profundo alinho, nosso pouco "querer saber" se viraremos adubo ou perfumada luz floral, que é isso que não traz consigo nada além do que si mesmo, que é puro, nu e que só me dá oque faz a vida valer a pena... por sinal, pena é justamente essa, ter de viver comendo frutos embebedados de podridão, a olhar só oque há a partir das segundas intenções.

A fadinha disse-me um dia, com ar tão sério quanto poderia haver em um ar-sério de uma fada, "que quando a memória te dá algo, ela também te tira. Te dá uma de suas lembranças, e te tira a realidade. Quem olha sua cabeça, não olha o mundo".

Com muito esforço comecei a subir nas árvores, deixei-me longe dos apodrecimentos, libertei-me, cuidando-me sempre com essa vontade do mundo de colher oque, já velho, embolorado, umidecido, está para ser comido do chão, na fácil consequência de complicar-se, complexar-se.

Mundo que se complicou, complicado, complexou-se, Complexado.

Friday, February 02, 2007

Sejam felizes! - sobre uma velha amiga e as frutas em seu casamento.

Dizia-se mil coisas
Das magnitudes dos vitrais da igreja
Do tempo de ensaio do coro das crianças
Da organização que estava precavida com até o plano D

Disseram dos mil reais...

tão realmente certo, tão realmente exato, tão realmente comprável
a soberbia se fazia estar até mesmo com os mais raspados, com os mais danados

Também houve quem não disse nada, pois gostava de alegria
alegrou-se e foi o suficiente.

Mas um cabisbaixo, que nada sabia sobre medições ou generalizações,
contou a todos que pôde, sem pudor de retórica ou armação nas idéias,
em uma tentativa de se fazer usufruir pelos outros,
através de palavras que, segundo ele, nada poderiam significar perto do fato em si

Dizia ele que lá havia maçãs,
que não em reais mas em Realidade
eram lembranças sobre a carne úmida, carne-fruta do pecado

As cerejas, que deliciaram os convidados, mas somente por terem o formato dos corações
em um vermelho-escarlate-escorrido sanguíneo, cardíaco, do amor

Os pêssegos, pêssegos lisos que se mostravam como a pele lisa,
juventude lisa, idade de pele de pêssego, leve, fina

Dizia também ele das uvas que nos levavam à margem dos rios
em tempos helênicos, olímpicos
fazendo, a todos que conseguiam ver, lembrar da mão que doa, sem receber, uvas a boca de outrem,
cachos que pendem das falanges do recosto ao lábio alheio
lábio deitado, deleitado, reconfortado, recostado
ambos em prazer, mão e boca, em doação e recepção, carinho e carente.

E para mim, que tudo parecia inexato, esfumaçado,
com a ajuda que a memória nos permite desmodificar objetos,
colorir tudo oque é incolor, perfumar ambientes inócuos
eu também fazia modificar, iluminar, diminuir, tornar realidade.
Qualquer que fosse o devaneio desta minha cabeça safa de grandezas
conseguia transformar-se em lágrimas nos olhos,
e me refletiam de volta um mundo já criado por mim

Via, nesta condição, uma pequena bárbara
com um sorriso tão grande,
mesmo maior do que a própria pequena meio árabe parecia poder carregar,
e a colocava no lugar daquela pompa, tão própria dos pomposos

via carteiras e gizes no lugar das árvores e dos doces
séries a frente e a trás no lugar das famílias e seus lugares a mesa
professores e atazanações no lugar da música e seus tocadores


mas as badaladas daqueles sinos começaram a se distanciar,
e fazer lembranças tão firmes e convictas
se desfazer....
diluir....
liquescer....

escorrer pelos vitrais que carrego em meu rosto, em minha memória,
longe dos da igreja
desmascarando um passado de uma menina mais sorridente do que o seu tamanho permitia,
me perdendo de um passado que, enquanto derretia, tentava eu,
com todas as minhas forças, mantê-lo na memória
na tentativa medrosa de não perdê-lo, não escapá-lo, não esquece-lo

mas o presente me brilhou
mais forte do que o passado poderia aguentar sem morrer
e o lodo sujo do que já foi, limpando-se ía
abrindo-me um mundo novo todo que exatamente
naquele momento se apresentava,
através da janela clara que a lembrança limpa pode trazer
longe de qualquer modificação que me permitia a memória,

o brilho que eu temia se perder
foi substituído por um muito mais alvo, muito mais vivo, em suas próprias chamas
tão REAL, tão luz, tão sorriso, tão naquele momento
que nada mais poderia eu ver naquele lugar
a não ser um passado sorridente que se deixou substituir por um presente
duplamente iluminado, sorrindo em dobro, em dois, por completo,

B

agora B&B

Tuesday, January 23, 2007

São em dias como esse que lembro de como ainda me comporto como pretendente, como promessa, como larva, como gérmen, como anseio, como ave no ovo, como fome.
Sei que de certa forma estou em algum tipo de encubadora, uma crisálida, em um estágio larval, me transmutando, me transformando, me adaptando. Me mexo como um embrião amorfo dentro das paredes de seu casulo, paredes que seguram a sua vontade de enfim tornar-se, de enfim completar-se, de enfim tomar o formato de não precisar mais tomar outro formato.
Enquanto isso, fico a me contorcer, em meio aos fios brancos e pegajosos que tomam quase todo o espaço do interior deste meu ovo, com a boca entre aberta, os olhos ainda negros e cegos, o pescoço e as costas curvos, a cabeça nua e desproporcional, contorsendo-me em espasmos transfigurativos, na tentativa de encaminhar este formato uterino para sua forma adulta, em um esforço do próprio corpo para sair de si mesmo, para não ter mais de suportar-se, para não mais se ver neste estado enlesmado, larvático, infantil.
Aglomerando veias, esticando tecidos, torcendo a postura, ele mesmo tende, como um objeto inanimado que começou a tomar partido do mundo dos desejos, lentamente, a fazer-se sair deste estado desfórmico, desperfeito, insadio, questionando sua situação pegajosa, lenta, despreparada, e caminhando para sua verdadeira forma de presença, para sua completação inquestionável, para a sua firme postura de ser oque, desde sua mais antiga noção de vida, já conhecia, já intuia, já se sentia como.
Ele, esta coisa que entendo por "mim", move-se em direção a abolir sua condição de existir nesta casca imóvel, branca, úmida, grudenta, que é próprio dos que ainda não estão prontos a se tornarem lisos mais uma vez (sim, mais uma vez, pois tem memórias de já ter sido um estado definitivo, bem acabado e em forma adulta, uma vez).
Assim, sou alguém na terceira pessoa, um indivíduo distante, que se comporta de maneira descontrolada, errante, rança e roca, que só oque faz, é se mover à direção de completar-se em algo que, na essência, ja é, e sempre foi.

Wednesday, January 10, 2007

Enquanto lá fora ainda há oque ver

Foi assim que um dia meu pai criou em mim o sentimento angustiante do desprezo por ele mesmo: "HENRI!! OQUE EU TO FAZENDO AQUI NÃO É BONITO! JAMAIS DEVE FAZER ISSO !"
PUTZ! pensei... e agora... será que eu aviso ao meu execrável pai que ele acabou de me assinar um tratado de falta de caráter? Acho que ele não vai gostar... tal destino não pode se confirmar em um só lance de dados, preciso dá-lo mais uma chance!!!
foi lá, 1,2,3: "Oque foi pai? não entendi!"
"ISSO QUE EU TO FAZENDO AQUI NÃO DEVE SER FEITO POR VOCÊ, NUNCA"
PUTZ! acho que não se deu conta que eu lhe havia dado mais uma chance. Nem uma engasgada, titubeada, vacilada. Tão firme naquela convicção torta, vesga, assumidamente desprezível, consciente de que o melhor a ser feito fosse a migalha moral, a admição da mesquinharia, ainda com uma certa certeza orgulhosa de que a culpa não mais o encomodaria, de que o maléfico já tivesse sido incorporado por seu íntimo e não mais o afetaria de maneira indolente, assim como mulheres árabes tomam suas doses de venenos diárias e se tornam imunes ao seu efeito.
Mas ao mesmo tempo em que ele assumia sua presença encharcada de lama, chafurdando o lodo abstrato da consciência, enrijecendo sua condição de enfermo, também procurava em mim a salvaçao antes inconcebível ao seu próprio ser, talvez por eu, sendo sua prole, um prolongamento dos seus genes, do seu sangue, da sua educaçao, das suas heranças dos mais diversos tipo, poderia então, ao fazer o certo, ao não mergulhar no esgoto moral, limpá-lo dos seus danos, das suas feridas, e o fizesse digno mais uma vez para poder se dirigir, ou pelo menos se tornar apresentável, ao Altar Supremo.
Assim, ele estava, ao ser incisivo naquela afirmação absurda, me protegendo dele mesmo, se afundando no movediço da areia enquanto me dizia, me gritava, me desesperavaa: CORRA HENRI... CORRA!! VOCÊ AINDA PODE!!
Foi, então, o que fiz. Obedeci à sua última parte de sanidade que se revelava naquele momento, ou por uma tentativa de se redimir perante ao seu Senhor com os atos corretos do seu filho, ou pela evasão inesperada de uma parte ainda não apodrecida de sua índole, e corri como um desesperado. Fuji como a água foge do cimo, como a treva foge do lume, como o calor corre do fogo para tudo que há ao seu redor, como uma chama que não se contenta em se apagar em brasa e intenta incendiar toda uma floresta.
E com os olhos apontados para meu pai, enquanto ía me afastando com a pressa com que minhas pernas se puseram a correr, vi-o se afogando em suas próprias lástimas, cavando-se em sua sepultura, encobrindo-se em sua fossa, escrevendo em seu epitáfio sobre a esperança de que eu, seu filho, não pisasse nas pegadas que seus passos deixaram marcardos na areia.
E agora, enterrado ainda ele vive, me aconselhando e reprimindo, enquanto cospe a terra do lodo que cobre toda a sua boca e tudo oque mais se conhece dele, mal sabendo que me botei a correr no dia em que o vi se enterrar na fossa que o fez morrer.