Thursday, November 11, 2010

Minha nuvem namorada

Naquele dia houve um feito esplêndido. Fez-se matéria o que, há tempos, repousava somente em campo etéreo, e foi entregue aos olhos e sentidos humanos o que até então só poderia ser encontrado em sensação áurea e espectral. Era fim de tarde e o sol que já fraco contornava as bordas do horizonte não justificava aquele amarelidão ouro que, paulatinamente, se apoderou brutalmente da cor verde do oceano. Os que olhavam a cena se desesperaram. Falaram do fim dos tempos, da nova era dourada e da chegada de um sol que nasceria das profundezas do mar. Os mais corajosos que quiseram comprovar que o amarelidão seriam os raios desse novo sol, encostaram na água a mão esperando queimá-la com o calor, mas tudo que conseguiram foi dar risada no momento em que levaram os dedos à língua e sentiram o doce, comprovando no gosto aquilo que, ao toque, parecia mel. O espanto geral não foi motivo para os eventos pararem de seguir seu rumo. Daquele imenso oceano dourado começou a se soltar uma neblina calma e silenciosa, uma majestosa névoa de vapor adocicado que exalava o mar de mel. E depois de todo o mar coberto por aquela rala e homogênea neblina, ela começou sua dança. A fumaça mais distante chegava do fundo do horizonte para cima da areia na sequência de um instante, e a bruma que sobreava o raso das águas subia em contornos, por vezes se aglutinando, por vezes se distanciando, contorcendo-se ordenamente, esculpindo-se através dos sopros de seus movimentos, se quedando como um mármore celestial, fazendo nascer um objeto que começava na altura do mar e se extendia até o céu. E enquanto a névoa era esculpida através de sua dança em direção ao firmamento, o mar de mel amarelava com ainda mais força e, apesar de não ter trazido à superfície nenhum novo sol, brilhava como se houvesse luz própria, fazendo de suas correntes e correntezas um palco pra aquela obra de fumaças. As pessoas que admiravam aquele talhar de nuvens e não saíram correndo pelo medo, choraram de emoção quando entenderam que a arte completara-se, e do mais alto deste monumento caíam cabelos compridos sobre ombros e braços esguios, seguidos de seios bem formados, uma cintura curvada e sinuosa e coxas femininas bem arredondadas. O salgado do mar se transformou em mel, o oceano imitou o sol, e o impalpável da beleza ganhou vida em uma escultura feita diretamente pelas mãos de Deus, testemunhada unanimamente de que aquele festejar de névoas e vapor se definia e personificava com conteúdo e sabor no que deveria ser o único formato conhecido pelos olhos e sentidos humanos capaz de caber tamanha sutileza, dança, doçura e sensibilidade: uma mulher.

Thursday, March 04, 2010

Não estou pronto para a meditação

Eu descobri que não estou pronto para a meditação.
A dureza da qual almejo me libertar
vedou a minha alma, preenchendo de matéria o que era vão.
O círculo vermelho proibindo meu térreo desapegar
não possui tanta força perto do que esteia meu coração
Que gostaria de estar se nutrindo de luzes no ar
Mas que é alimentado por raízes bem cravadas no chão

O corpo que reflete esse pôr do sol rosa pelos meus olhos nus
é livre de qualquer pretenção de procurar no céu outra existência ou raça,
também de descobrir qual o sentido da vida perdida de um homem pregado na cruz,
ele só se interessa por decantar nesta terra de barbáries, as belezas que nos aliviam com graça
E que a todo o momento vem quebrar em nosso rosto uma taça
Transbordando um líquido que se faz de matéria e não de luz

E o mar que se queda pintado com diamantes pela mesma solar luz divina
Só é deus, pra mim, porque está aqui pra eu pegar com a mão
e por que não são nada mais do que uma linha fina
que desenham uma amostra do que essas coisas terrenas são

E se é a luz do luar que atinge um lago sem a distorção da alma,
minha boca já ficha cheia de uma cascata inebriante,
e se vejo pintado um desenho impressionista prata sobre essa água calma
nenhum argumento me convence de que é uma ilusão intoxicante,
pois é dessa sólida bebida que prende meu corpo e alma na rede
concreta desse mundo que balança e sacia, do meu espírito, a sede

E se longe do belo as canções acompanham a lentidão das tristezas
ou os jubilos animados de uma selvagem festa
sinto minha pesada pele transformada em beatitude cheia de leveza
e agradeço, não mais a deus, que esse não se apresenta
mas ao mundo que conheço, e que é o da densa natureza

A peneira da carne sai filtrando isso tudo para atingir seu esplendor
e faz dos mais horríveis absurdos motivos para o pranto
Mas a meditação diz que devo aceitar passivamente o mundo sem nenhuma dor
E fazer de um rato pestelento a outra face de um santo

Mas além da beleza, também as agruras me despreparam o meditar
A feiúra dos acordes dissonantes da vida me arrepiam
E se vejo, dentro do reto, um torto, quero logo endireitar
Mesmo se forem as vozes dos pássaros que o canto incorreto piam

E se a força da mão que finca nas carnes a faca
é a mesma que tira das teclas o som do piano,
Se o grito que armas injustas enchem de inocentes a maca
e a música que nos tira as lágrimas ouvem-se do mesmo ouvido humano
Se a letra carnificenta que um tratado de guerra encapa
tem a mesama tinta de uma partitura desenhada num pano

Então estou convencido que o "tudo", do mesmo, não faz parte
a ilusão da matéria se tornou a única a encontrar meus sentidos
fazendo-me achar que o assassino é diferente dos que fazem arte
e a intenção não pode ser comparada aos resultados obtidos

E se pretendo me desapegar dessa matéria
desincorporá-la da vida para assoprá-la em prana
e fazer bolhas de sabão com toda essa coisa séria
iluminar do maior lume a vida que está fora dessa cabana

então não consigo mais ir em frente
tranco o pé firme nessa terra dura
e queimo vivo se a densa matéria é quente
e me agarro às sombras se a luz só se encontra na altura

Mas, desse canto, não foi posto, até agora, a maior da minha sinceridade
pois não são as belas imagens, ou o medo do feio
as aventuras que traz a flor da minha idade
ou as tentações que está esse mundo cheio
e nem é para dessa terra ter o maior dos mares
saborear, dos reinos, os poderes dos césares
ou ter domínio sobre todos os lares

não é por isso que não consigo me entregar à meditação

Mas é porque se me imagino liberto do que me apresenta a matéria
Já fico com vontade de voltar correndo e abraçá-los com força
e se quero ficar nesse mundo mais um pouco...
... é por que aqui eu encontro vocês

e não iria nunca para dentro de uma caverna...
... simplesmente porque eu iria morrer de saudades.

e meus votos de silêncio não existem...
... porque preciso contar-lhes do quanto são importantes.

e não sou capaz da plenitude da auto-realização...
... porque a vontade que tenho é de abraçá-los bem forte, carregá-los comigo, e dormir em seus colos para sempre

e se penso em ficar sozinho, em solidão ou solitude...
.... lembro que se me pintam de índio, olham em meus olhos e seguram minha mão, meu coração entende tudo isso como um presente.

e não consigo só viver o momento de agora...
... porque vocês sempre aparecem como lembranças.

e a meditação me diz que a felicidade não depende dos outros...
... mas quando estão comigo eu fico todo feliz.

e enquanto na terra vocês estiverem, é na terra, que pretendo ficar.

e se não consigo meditar...
simplesmente é porque gosto demais de todos vocês.

Monday, January 11, 2010

você e o amor

Você é a contraposição do amor. Ter você é perder-me. O amor é achar-me.
Minha história quer te anular... não faz mais sentido eu sofrer por ter de te perder a todo momento... mas não quero que você vá embora. Dizer adeus é a minha salvação, mas sou pecador demais para querer me salvar.

Sou tão pouco divino, que gostaria de me esquecer, esquecer do meu estado infernal e estando contigo eu esqueço de mim... houve uma vez em que eu fui mais celestial do que agora, e quando berei o esquecimento próprio não quis. Mas agora é diferente. A fraqueza me tomou por inteiro. Hoje, se sou algo, sou fraco.

Estar contigo é não ter forças para olhar pra fora... nem olhar pra dentro. Estar contigo é só olhar pra ti... e te olhando eu me esqueço, amorteço... meu corpo continua em pé, vou ao trabalho, adoço morangos, sorrio se vejo um bebê... mas não vivo. Você me faz esquecer de mim mesmo... e se há dor para sentir, que vem para fazer doer e tornar horripilante a existência, contigo não sinto tanto.
Você me combate a dor.
Você é a analgesia que contrapõe a medicina... você não me cura, você me faz esquecer de mim.

Sonhando acordado eu escrevo tudo aqui... mas te imagino lendo... será que iria gostar? será que iria achar demais? e você ficando longe de mim? onde é que eu vou me perder? vou procurar um outro esconderijo que se pareça com o teu. Vai ser um tentativa de te reproduzir em outros lugares. De achar o mesmo medicamento que você tem, nessa dose, para que a minha dor eu não veja mais. E passe a minha vida toda me enganando. Enganado vivo como se dormisse, e sonolento não me apercebo de todos os meus erros... só vejo o seu vulto, anuviado, lento... você esconderia a parte de mim que eu não quero ver. Poderia ficar te olhando até o ponto que não precisaria mais me desconcentrar de ti e olhar onde eu não quero ver... melhor parar... se eu ficasse contigo, iria precisar de você por toda a vida.
Ahh, consciência! Preciso voltar a enxergar o que não gosto. Tenho que te apagar da minha cabeça, te fazer virar fumaça, te tornar um labirinto complicado demais, não um esconderijo. Me lembrar que com você eu me perco, que com você eu não me acho mais... mas é tão agradável saber que poderia me esquecer do que não gosto se eu ficasse a vida toda contigo. Se fosse fácil te amarrar do meu lado, e toda a vez que minha solidão e desespero viessem me encontrar, eu te usasse como escudo, e logo atrás de ti, pudesse me sentir protegido até de mim mesmo, para nunca mais ter de mergulhar dentro dos meus assombros.

Aqui dentro me concerne. Tenho preocupações em demasia.... te olhar é mais fácil.
Difícil mesmo é saber viver... contigo já morro logo de uma vez, e fica bem mais fácil continuar vivo.