Vamos lá, à música, então!
Se quisermos definir, então não abro margens a discordâncias! Aqui, o que menos se quer é barreiras para a comunhão, união. Falo abertamente sobre o que me é suposto, mas, se quiser discordar, por favor, não continue a leitura. Agora necessito que haja só consentimentos, uma vez que se o mundo fosse só essa concordância que agora peço que sejas, seria ele muito mais musical.
A música em nada discorda! É sempre toda aberta ao seu estado de “ser”. Quando acontece, se desvincula de qualquer pejorativo, de qualquer dúvida, e vem ao mundo em todo seu estado absoluto. Não questiona suas necessidades e suas vontades, só vem e é, e mesmo que falha, falha com toda a graça e assume-se, sem remorsos ou contradições, dizendo "sou exatamente isso mesmo, e nunca quis ser outra coisa".
Só nós que a sujamos! Podemos dizer que não está certo, que exagera na percussão, que a melodia podia ser um pouco mais substanciosa, que devia-se alterar pelo menos algumas transições de acordes... mas ela, quando toca, ahhhh, só concorda. Sai de braços abertos das caixas de som ou dos instrumentos dos músicos (quando há músicos tocando, é mais capaz de haver a discórdia, uma vez que muitos músicos pouco são musicais), e fica toda alegre, mesmo se for música triste, a vibrar no ar. Não há música que não quis ser a música que é!
E se necessitamos da música, é porque necessitamos da concordância, ressonância, lisura. As oposições deixemos aos carrancudos, aos que nunca serão (soarão) balanços sonoros no ar. Assim como os anjos, que aprenderam a voar enquanto ainda eram música, e só muito tempo depois criaram as asas e passaram a cuidar dos nossos sonos. Não esquecendo de que até mesmo o cuidado que os anjos desprendem aos sonhadores, veio dos costumes dos tais humanos de dormir aos balanços de uma canção, enquanto os anjos ainda eram canções.
É fácil deduzir, agora, que quando quiseres se sentir um pouco mais leve, balance... vibre.... concorde.... permita–se ser música... e quem sabe um dia crie asas, e angelifique os nossos ares com a sua presença.
Lembrar-vos-ei, agora, do que uma vez uma tribo indígena, dessas que tocam flautas mágicas e guerreiam com outras tribos através de cânticos e notas, deixou-me saber. Me falaram baixinho, sussurrado, calmamente, ao meio do silencio que só a imaginação, quando imagina o silêncio, pode trazer.
Dizia assim:
“era um ambiente escuro, quanto então fez-se luz, só a luz necessária, daquela que tempera a vista com um certo gosto de hortelã e canela, deixando tudo mais suave, adocicado. Luz que foi feita para fazer o piso brilhar, pois agora já há um piso também, piso liso, brilhoso na medida do gostoso, preto e branco, com a pesagem da medida certa entre verniz e opacidade. Chão que se estende até uma parede preta. Preta pela falta de luz, inexistente, aberta ao infinito, que abre o espaço ao invés de reduzi-lo.
Agora preste a atenção nos objetos da sala. Estão pendurados em sabe-se direito o que, mas ainda assim cercam um espaço bem definido, que te deixam em um salão sem os limites dos muros, mas com os limites da decoração, que por sinal, decoram o lugar da maneira que só o maior dos “bom gosto´s” é capaz. Tudo na harmonia mais desconcertante possível.
E, falando em harmonia, não esqueçamos do cheiro suave que começou a envolver a sala. Cheiro de fim de tarde de primavera ao lado de um limoeiro, cheiro de essência que faz a vida valer a pena, cheiro de abrir os pulmões em pés de flores, cheiro de te fazer respirar e saber que se vive bem.
Assim, o ambiente preparou-se para esperar seu último complemento: Música!
Neste lugar, ela aparece vindo de todos os lados: a que vem de baixo, te carrega no colo, te levantando levemente do chão; a que surge de trás, acolhe-te como um digno filho da terra, e te dá apoio para as costas, a de cima, cai como uma luz que se espalha, como um manto que te aquece, te preenche e te transborda; a da frente, te chama sutilmente, te permitindo usufruir, mas sempre com um gosto de fazer o rosto pender a frente, procurando mais do mesmo".
Música... Só acontece como florescência de um mundo onde as adversidades e as oposições fazem parte do passado, onde os sentidos verdadeiros puderam sair das resguardas da brutalidade, onde sua vida se tornou toda propícia para ser maculada de uma forma angelical e onde a necessidade deu espaço ao deleite.