Das complexidades, não sou fã de nenhuma. Prefiro que oque é seja da maneira mais simples e desnudo(a), que se mostre todo(a), que se esteja mais à pele possivel, que abdique-me de ter que recorrer a minha imaginação, que seja por inteiro, que não me faça tentar descobrir ao que há atrás das suas cortinas, seja mesmo uma janela quebrada ou fosca, mas que seja por inteira e sem-vergonha ao ser revelada.
Mas há tempos que ser por inteiro, ser todo nu, ser simplesmente simples ficou a esperar seus calorosos cidadãos cheios de complexidades, complexos e complicações. Precisávamos encontrar uma maneira de nos dividir, de nos quebrar pela metade e em mais pedaços. Mas do que reclamo?? é óbvio de que não poderia ser o simples poderoso a ponto de se tornar um gosto diário em nossas bocas, de se aproximar um pouco mais das nossas casas/almas, de se tornar tão natural quanto o é o respirar, o viver, o entristecer, o morrer, a inter-intra-relação. O simples está na mesma prateleira dos objetos que são singelos, calmos, pacienciosos, não na das coisas que se aprendem com marteladas ou alfinetações. Sua quietude complascente o deixou no longínquo lugar do esquecimento, pois o simples não se força aos outros, assim como pode ser feito com as angustias, o assassinato e o que é indisciplinado. Através das insensibilidades poderíamos forçar algo, mas não o simples, o simples só através das sutilizas e sensibildades, e através das sensibilidades e sutilezas nada se força.
Assim, ele está ali, a mercê de quem o queira, pendurado em árvores que só dão frutas que não apodrecem, ficando a não se impor, pacienciosamente, sabendo que nunca irá se estragar, e consequentemente, nunca será o motivo de manchas negras da deterioração em terceiros, sextos ou cestos.
Em algumas noites, quando o dia se complicou como só os danos das complicações pode complicar, te imagino sem chinelo, a apalpar o gramado, sentindo o gosto do orvalho na pele, a aprender sobre as leituras das rugas nas cascas de árvores, a entender sobre as bênções que a chuva derrama para aqueles que resolvem prestar a atenção às coisas que descem do céu. Cerrar um pouco os olhos ao sentir o gosto do mel com o da nata, abrí-los bem ao colher a luminosidade que há mesmo nas coisas mais escuras; bagunçar todo o penteado ao coçar vagarosamente o coro cabeludo e logo após sentir a espinha toda se ouriçar, em um gesto de carícia vinda por parte da espinha mesmo ao restante do corpo; fazer barulho ao respirar fortemente o ar, como se o fosse um prato raro, desses pratos que só os beatificados pela vida tem a oportunidade de apreciar.
E se há um conforto em quem se depara a frente, e a olha com curiosidade, da grande e saudável vida, é o conforto de que tudo se trata de escolhas e que essas escolhas dão em árvores. E se todo o parágrafo anterior se trata de escolher alguns frutos dessas árvores (escolhas que talvez não sejam das mais fáceis, apesar de serem as mais simples), pode-se também escolher não colhe-las nesses grandes pés-de-tempo (dizia uma pequena fada que me visitava a noite em minha cama, que quando se planta tempo, colhe-se escolhas), e colher-se-á normalmente os mais fáceis de colher, as tão abundantes complicações.
O simples nunca foi o forte da colheita. Sempre mais simples foi pegar as complicações que caiam no chão (como as complicações já nascem apodrecidas, elas caem das árvores aos montões), do que o complicado ato de ter de buscar no alto dos pés a não decomposta simplicidade. E assim, para evitar o esforço da colheita que há nos pés-de-tempo, ficamos a comer os frutos putrefeitos que caiam no chão, um atrás do outro, durante anos, complicações atrás de complicações, até que houve um dia em que acordamos insensibilizados, endurecidos.
Ensurdecidos com todo os nossos sons, cegos com uma tela para servir como nossas vistas; tortos com a etiqueta, falsa etiqueta, cheia de vícios e lambuzas, intensificadora das diferenças (a mesma fada me dizia também de que as diferenças só interessam aos mais tolos, pois os meramente mais profundos procuram a unidade, somente a unidade); adormecidamente hipnotizados com a complexa secundidade, terceiridade, decimaridade das coisas!, que quase me fazem esquecer de que é a primeiridade, essa tão crua quanto o é nossa pré-vida, que é a significância primeira das coisas, a nossa rosa de profundo alinho, nosso pouco "querer saber" se viraremos adubo ou perfumada luz floral, que é isso que não traz consigo nada além do que si mesmo, que é puro, nu e que só me dá oque faz a vida valer a pena... por sinal, pena é justamente essa, ter de viver comendo frutos embebedados de podridão, a olhar só oque há a partir das segundas intenções.
A fadinha disse-me um dia, com ar tão sério quanto poderia haver em um ar-sério de uma fada, "que quando a memória te dá algo, ela também te tira. Te dá uma de suas lembranças, e te tira a realidade. Quem olha sua cabeça, não olha o mundo".
Com muito esforço comecei a subir nas árvores, deixei-me longe dos apodrecimentos, libertei-me, cuidando-me sempre com essa vontade do mundo de colher oque, já velho, embolorado, umidecido, está para ser comido do chão, na fácil consequência de complicar-se, complexar-se.
Mundo que se complicou, complicado, complexou-se, Complexado.
Engrandeço-me
6 years ago