Tuesday, January 23, 2007

São em dias como esse que lembro de como ainda me comporto como pretendente, como promessa, como larva, como gérmen, como anseio, como ave no ovo, como fome.
Sei que de certa forma estou em algum tipo de encubadora, uma crisálida, em um estágio larval, me transmutando, me transformando, me adaptando. Me mexo como um embrião amorfo dentro das paredes de seu casulo, paredes que seguram a sua vontade de enfim tornar-se, de enfim completar-se, de enfim tomar o formato de não precisar mais tomar outro formato.
Enquanto isso, fico a me contorcer, em meio aos fios brancos e pegajosos que tomam quase todo o espaço do interior deste meu ovo, com a boca entre aberta, os olhos ainda negros e cegos, o pescoço e as costas curvos, a cabeça nua e desproporcional, contorsendo-me em espasmos transfigurativos, na tentativa de encaminhar este formato uterino para sua forma adulta, em um esforço do próprio corpo para sair de si mesmo, para não ter mais de suportar-se, para não mais se ver neste estado enlesmado, larvático, infantil.
Aglomerando veias, esticando tecidos, torcendo a postura, ele mesmo tende, como um objeto inanimado que começou a tomar partido do mundo dos desejos, lentamente, a fazer-se sair deste estado desfórmico, desperfeito, insadio, questionando sua situação pegajosa, lenta, despreparada, e caminhando para sua verdadeira forma de presença, para sua completação inquestionável, para a sua firme postura de ser oque, desde sua mais antiga noção de vida, já conhecia, já intuia, já se sentia como.
Ele, esta coisa que entendo por "mim", move-se em direção a abolir sua condição de existir nesta casca imóvel, branca, úmida, grudenta, que é próprio dos que ainda não estão prontos a se tornarem lisos mais uma vez (sim, mais uma vez, pois tem memórias de já ter sido um estado definitivo, bem acabado e em forma adulta, uma vez).
Assim, sou alguém na terceira pessoa, um indivíduo distante, que se comporta de maneira descontrolada, errante, rança e roca, que só oque faz, é se mover à direção de completar-se em algo que, na essência, ja é, e sempre foi.

Wednesday, January 10, 2007

Enquanto lá fora ainda há oque ver

Foi assim que um dia meu pai criou em mim o sentimento angustiante do desprezo por ele mesmo: "HENRI!! OQUE EU TO FAZENDO AQUI NÃO É BONITO! JAMAIS DEVE FAZER ISSO !"
PUTZ! pensei... e agora... será que eu aviso ao meu execrável pai que ele acabou de me assinar um tratado de falta de caráter? Acho que ele não vai gostar... tal destino não pode se confirmar em um só lance de dados, preciso dá-lo mais uma chance!!!
foi lá, 1,2,3: "Oque foi pai? não entendi!"
"ISSO QUE EU TO FAZENDO AQUI NÃO DEVE SER FEITO POR VOCÊ, NUNCA"
PUTZ! acho que não se deu conta que eu lhe havia dado mais uma chance. Nem uma engasgada, titubeada, vacilada. Tão firme naquela convicção torta, vesga, assumidamente desprezível, consciente de que o melhor a ser feito fosse a migalha moral, a admição da mesquinharia, ainda com uma certa certeza orgulhosa de que a culpa não mais o encomodaria, de que o maléfico já tivesse sido incorporado por seu íntimo e não mais o afetaria de maneira indolente, assim como mulheres árabes tomam suas doses de venenos diárias e se tornam imunes ao seu efeito.
Mas ao mesmo tempo em que ele assumia sua presença encharcada de lama, chafurdando o lodo abstrato da consciência, enrijecendo sua condição de enfermo, também procurava em mim a salvaçao antes inconcebível ao seu próprio ser, talvez por eu, sendo sua prole, um prolongamento dos seus genes, do seu sangue, da sua educaçao, das suas heranças dos mais diversos tipo, poderia então, ao fazer o certo, ao não mergulhar no esgoto moral, limpá-lo dos seus danos, das suas feridas, e o fizesse digno mais uma vez para poder se dirigir, ou pelo menos se tornar apresentável, ao Altar Supremo.
Assim, ele estava, ao ser incisivo naquela afirmação absurda, me protegendo dele mesmo, se afundando no movediço da areia enquanto me dizia, me gritava, me desesperavaa: CORRA HENRI... CORRA!! VOCÊ AINDA PODE!!
Foi, então, o que fiz. Obedeci à sua última parte de sanidade que se revelava naquele momento, ou por uma tentativa de se redimir perante ao seu Senhor com os atos corretos do seu filho, ou pela evasão inesperada de uma parte ainda não apodrecida de sua índole, e corri como um desesperado. Fuji como a água foge do cimo, como a treva foge do lume, como o calor corre do fogo para tudo que há ao seu redor, como uma chama que não se contenta em se apagar em brasa e intenta incendiar toda uma floresta.
E com os olhos apontados para meu pai, enquanto ía me afastando com a pressa com que minhas pernas se puseram a correr, vi-o se afogando em suas próprias lástimas, cavando-se em sua sepultura, encobrindo-se em sua fossa, escrevendo em seu epitáfio sobre a esperança de que eu, seu filho, não pisasse nas pegadas que seus passos deixaram marcardos na areia.
E agora, enterrado ainda ele vive, me aconselhando e reprimindo, enquanto cospe a terra do lodo que cobre toda a sua boca e tudo oque mais se conhece dele, mal sabendo que me botei a correr no dia em que o vi se enterrar na fossa que o fez morrer.